
ARTIGO
NATHALY YOHANA MOTA DA SILVA; FRANCO CLAUDIO BONETTI; BRUNO REIS MOREIRA NACANO
RESUMO
A identificação dos microrganismos é fundamental para promover o tratamento correto ao paciente, sem que haja a resistência bacteriana por tratamentos errados, mesmo que tal identificação seja realizada sobre a morfologia e Gram, sem saber qual a bactéria estudada. O uso incorreto de alguns antimicrobianos pode levar a bactéria a criar resistência ao antibiótico, que é ocasionada pela mutação genética do microrganismo por uso inadequado de antimicrobianos, através do plasmídeo, que são filamentos de DNA extracromossômico que podem carregar consigo a substância química do antibiótico em questão, criando assim, a resistência. Sendo assim, o objetivo do trabalho foi analisar os benefícios de se realizar o exame de bacterioscopia em tratamentos de infecções bacterianas em ausência de exames de antibiograma pelo SUS, além de evidenciar a necessidade da realização de exames para identificação de bactérias antes de promoção de tratamentos equivocados que podem levar à resistência bacteriana. Foram utilizados como ferramentas de estudo, a análise bibliográfica de artigos, tendo como base de dados Medical News Today, Manual MSD, MicrobiologySociety, eCycle, Delboni, OPAS/OMS, RBMFC e Jornal Health NPEPS. Utilizando como referência as palavras-chaves: Gram, morfologia, resistência bacteriana, infecções do trato urinário, antibiograma, identificação e tratamento. Como critério de exclusão, serão utilizados somente artigos datados de 2018 a 2023. Conclui-se então que a antibioticoterapia deve ser solicitada quando o profissional souber a causa da infecção do paciente. Mesmo que a decisão se baseie nos resultados que mostram apenas a morfologia e classe de Gram das bactérias somadas com a sintomatologia do paciente.
Palavras-chave: Gram; morfologia; resistência bacteriana, infecções do trato urinário; antibiograma; identificação; tratamento.
1. INTRODUÇÃO
A bacterioscopia é um exame realizado que utiliza a técnica de coloração de Gram e permite a identificação de determinadas bactérias através da coloração de sua membrana. (FERNANDES, 2019). A identificação das bactérias é importante para reconhecer sua morfologia e, assim, promover o tratamento mais adequado para o caso (GUARALDI, 2020). Outros exames mais específicos são realizados para a identificação das bactérias e as quais antimicrobianos são sensíveis, como a Urocultura com Antibiograma. Entretanto, na maioria das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) não há esse exame como cobertura pelo SUS (Sistema Único de Saúde) (BRANDT, 2023).
A identificação dos microrganismos é fundamental para promover o tratamento correto ao paciente, sem que haja a resistência bacteriana por uso de medicamentos errados, mesmo que tal identificação seja realizada somente sobre a morfologia e classe de Gram (negativo ou positivo), sem saber ao certo qual a bactéria estudada. (MORENO, 2020).
A qualificação das bactérias é determinada pela morfologia, podendo ser cocos, diplococos, streptococcus, staphylococcus, tétrade, sarcina, bacilos, streptobaccilus, bacilococos, vibrião, espiroquetas, espirilos, entre outros, e pode ser determinada pela cor azul arroxeada das bactérias determinadas Gram positivas e pela cor rosa avermelhada das bactérias determinadas Gram negativas (SERRA, 2001). Os dois tipos de bactérias possuem em sua membrana uma bicamada de fosfolipídeos e camadas de peptídeoglicano. Entretanto, apenas as bactérias Gram negativas possuem em sua superfície uma membrana de lipopolissacarídeo.
Portanto, automaticamente, a sua camada de peptídeoglicano é menos espessa que a camada presente nas bactérias Gram positivas, permitindo que o último corante utilizado na técnica possa permear a membrana plasmática (BUSH, 2022).
Na coloração de Gram, a eosina (fucsina) utilizada na última etapa da técnica tem caráter básico, portanto, possui afinidade por substâncias ácidas, como a endotoxina lipopolissacarídeo presente na membrana das bactérias Gram negativas. Logo, por ser um corante avermelhado, colore as bactérias de caráter ácido em tons avermelhados para facilitar sua identificação. (FERNANDES, 2019).
Esses microrganismos podem fazer parte da microbiota sem causar doenças ao portador, ou podem causar infecções de diversos tipos, como impetigo, infecções do trato urinário, tuberculose, pneumonia, meningite bacteriana, botulismo, doenças sexualmente transmissíveis (como sífilis, gonorreia), entre outras infecções que, caso não tratadas da forma correta, pode levar o paciente a ter sequelas ou levá-lo a óbito. As infecções podem ocorrer pela ingestão de água ou alimentos contaminados, relações sexuais desprotegidas, pelo ar, má higiene e pelo contato com pessoas ou objetos contaminados (BUSH, 2022)
A prevalência das infecções do trato urinário no mundo é de 130 a 175 milhões de casos por ano, sendo o principal responsável pelas infecções, à bactéria Escherichia coli,que representa cerca de 80% dos casos (SANTOS, 2018, p. 3). As infecções do trato urinário (ITU) são classificadas como o tipo de infecção bacteriana de maior ocorrência no Brasil, sendo relatados 80 casos a cada 1000 consultas clínicas (OLIVEIRA, 2018, p. 2).
Segundo o Ministério da Saúde, em 2012 cerca de 20% das gestantes tiveram episódios de infecção urinária, sendo 10% dos casos a prevalência de bacteriúria assintomática observada desde o primeiro trimestre da gestação até o último. (SANTOS, 2018, p. 3)
Um relatório da Organização Mundial da Saúde revela altos níveis de resistência de bactérias que causam sepse e de bactérias que causam infecções comuns entre a população em 87 países no ano de 2020. (OPAS, Organização Pan-Americana de Saúde, 2022).
O uso incorreto de alguns antimicrobianos pode levar a bactéria a criar uma resistência ao antibiótico, se alimentando dele e ficando mais forte. Tal resistência é ocasionada pela mutação genética do microrganismo por uso inadequado ou insuficiente de antimicrobianos, através do plasmídeo, que são filamentos de DNA extracromossômico que podem carregar consigo a substância química do antibiótico em questão, criando assim, a resistência a tal medicamento. (FELMAN, 2023).
Nos Estados Unidos da América mais de 2,8 milhões de pessoas contraem infecções causadas pela resistência bacteriana e cerca de 35.000 vão a óbito. Na União Europeia, ocorrem mais de 670.000 de casos de infecções causadas pela resistência aos antimicrobianos com cerca de 33.000 mortes, e no Brasil, já se relata cerca de 20.000 genes de mutação detectados pela resistência bacteriana (RIBIEIRO, 2022).
Entretanto, mesmo sem o exame de antibiograma em questão, pode-se supor que o tipo de bactéria X (encontrada do exame de bacterioscopia) seja sensível à classe Y de medicamentos antimicrobianos, sem que haja, então, o uso incorreto de um gênero de medicamento Z, evitando assim, a resistência bacteriana. (MIRANDA, 2009).
Sendo assim o objetivo do trabalho foi analisar os benefícios de se realizar o exame de bacterioscopia em tratamentos de infecções bacterianas em ausência de exame de antibiograma pelo SUS além de evidenciar a necessidade da realização de exames para identificação de bactérias antes de promoção de tratamentos precipitados e equivocados que podem levar à resistência bacteriana.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Foram utilizados como ferramentas de estudo, a análise bibliográfica de artigos, tendo como base de dados Medical News Today, Manual MSD, MicrobiologySociety, eCycle, Delboni, OPAS/OMS, RBMFC e Jornal Health NPEPS. Utilizando como referência as palavras-chaves: Gram, morfologia, resistência bacteriana, infecções do trato urinário, antibiograma, identificação e tratamento. Como critério de exclusão, serão utilizados somente artigos datados de 2018 a 2023.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram encontrados 11 artigos relacionados às palavras-chaves quando submetidas nas bases de dados. Entretanto, após a utilização dos critérios de exclusão baseados em uso de artigos publicados no ano de 2018 a 2023, restaram 6 artigos para a confecção do trabalho, citados no quadro abaixo.
QUADRO 1 - Artigos relacionados às palavras-chaves quando submetidas nas bases de dados e após utilização do critério de exclusão

4. DISCUSSÃO
Bush (2022) explica sobre a morfologia das bactérias em seu artigo “Considerações gerais sobre as bactérias”, que é de extrema importância para a identificação dos microrganismos a fim de promover o tratamento mais adequado. Neste artigo é explicado sobre seus formatos, coloração, necessidade de oxigênio e quais são patógenas. Além disso, é descrito como as bactérias funcionam em um quadro infeccioso, quais infecções podem causar e uma breve explicação sobre suas sensibilidades e resistência aos antibióticos.
Sanchez e Bittercourt (2022) concordam em alguns pontos quando escreveram seus artigos “Bacterioscopia vaginal por coloração de Gram: do ensino médico a pratica clínicolaboratorial na rotina em ginecologia” e “A importância da microscopia versus a hemocultura com foco na urgência do diagnóstico e tratamento precoce: da teoria à pratica” respectivamente, pois em ambos artigos se destaca a importância e benefícios de se realizar um exame de bacterioscopia para a identificação de bactérias em relação à hemocultura/urocultura e antibiograma.
Para a realização de um exame de antibiograma é necessário primeiro realizar uma cultura bacteriana, que pode levar de um a dois dias para que haja crescimento microbiológico. Após a observação do crescimento em cultura, faz-se necessário a utilização de uma técnica de antibiograma, que pode ser por difusão em ágar, que consiste em adequar o ágar na placa de Petri em condições antibióticas. Semeia-se o microrganismo da cultura na placa e observa-se se há crescimento bacteriano ou supressão bacteriana referente ao antibiótico utilizado. Este processo pode levar de três a quatro dias no total, portanto, em urgências nos diagnósticos a fim de promover um adequado tratamento de forma rápida e eficaz, este exame não seria viável, pois as condições clínicas e o quadro infeccioso do paciente podem se agravar no tempo em que o teste é realizado. Entretanto, o exame de bacterioscopia leva em torno de oito horas para ser realizado e, conforme analisado, pode-se supor ou até mesmo identificar (pelas condições e sintomatologia do paciente) qual bactéria se refere e a qual antibiótico é sensível, como mostra nos quadros abaixo. (FERREIRA, 2019).
QUADRO 2 – apresenta opções de antibioticoterapia para diferentes tipos de bactérias Gram positivas.

QUADRO 3 – apresenta opções de antibioticoterapia para diferentes tipos de bactérias Gram negativas.

A escolha do antibiótico adequado deve ser não apenas baseada na morfologia bacteriana e sua classe de Gram, como também na sintomatologia do paciente. Por exemplo: um paciente está sofrendo de infecções do trato urinário (ITU), e diante o exame de bacterioscopia de Gram, analisa-se que as bactérias presentes são bacilos negativos. Pode-se supor que seja a bactéria E. coli ou Proteus spp. Como opções de antibióticos para bactérias bacilo negativas temos a rifamicina, dapsona, clofazinina e sulfametoxazol + trimetoprima. Entretanto, para bactérias bacilo negativas que causam infecções do trato urinário pode-se utilizar a rifamicina ou sulfametoxazol + trimetoprima. (BUSH, 2022)
Outro exemplo seria o paciente que chega ao consultório se queixando de coceiras na pele e erupção cutânea. Ao realizar o exame de bacterioscopia pode-se analisar que há bactérias Staphylococcus Gram positivas. As bactérias que podem gerar erupções cutâneas que possuem essa morfologia e classe de Gram são as Staphylococcus aureus, por exemplo. Staphylococcuspositivos devem ser tratados com penicilina, cefalexina, oxacilina, carbapenêmicos, clindamicina, rifamicina, ciprofloxacino, vancomicina ou daptomicina. Para a bactéria em questão (S. aureus), o antibiótico de melhor escolha seria a cefalexina ou penicilina. (SANTOS, 2023).
Portanto, o conhecimento médico é de extrema importância para a promoção de tratamentos de urgência usando como base o exame de bacterioscopia, que mostra a morfologia e classe de Gram, juntamente com a correta observação da sintomatologia do paciente, podendo levar o profissional a uma conclusão sobre o microrganismo causador da doença estudada. (MARTINATTI, 2023).
Felman e Capitani (2023) explicam em seus artigos “What to know about antibiotics?” e “Antibióticos: para que servem, tipos e quanto tempo tomar?” respectivamente, sobre as classes terapêuticas, meia vida do medicamento, funcionamento, importância de se tomar no horário correto e os perigos da resistência bacteriana aos antibióticos.
A meia vida do medicamento é o tempo em que o mesmo faz efeito no organismo, depois disso, as bactérias restantes começam a se alimentar dos compostos químicos subsecivos a passam a criar um tipo de resistência ao medicamento. Por isso é importante que o antibiótico seja tomado no horário correto e no tempo determinado pelo médico, caso contrário, a infecção se agravará e provavelmente outros antibióticos não sejam eficientes para o caso. (CAPITANNI, 2023). De todo o caso, a resistência bacteriana não se baseia somente no erro de horário para a dose. Na maioria dos casos, a resistência é causada por administração de antimicrobiano inadequado, fortalecendo assim a bactéria residente e agravando a infecção no paciente. (FELMAN, 2023).
O artigo publicado pela OPAS (relatório sinaliza aumento da resistência a antibióticos em infecções bacterianas em humanos) relatou um aumento significativo de resistência bacteriana em bactérias que causam sepse ou outras infecções gerais em 87 países estudados. Além disso, o relatório sinalizou que cerca de 60% dos antibióticos utilizados são de amplo espectro e que possuem baixas chances de criar resistência. Logo, cerca de 40% dos medicamentos antimicrobianos possuem uma alta chance de gerar uma resistência bacteriana, sendo que, grande parte dos cenários é por “má exploração” do caso clínico e indicação de antibióticos escolhidos ao acaso. (OPAS, 2022).
5. CONCLUSÃO
Conclui-se então que a antibioticoterapia deve ser solicitada, de preferência, apenas quando o profissional souber qual a causa real da infecção do paciente. Mesmo que a decisão se baseie nos resultados que mostram apenas a morfologia e classe de Gram das bactérias somadas com o estudo sobre os sintomas do paciente. Neste momento, o raciocínio médico é indispensável, pois em atendimentos de urgência, como em Unidades de Pronto Atendimento, o diagnóstico e tratamento devem ser obtidos da forma mais rápida possível, porém, de forma cautelosa e estudada, para que se diminuam os riscos de resistência bacteriana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OPAS, Relatório sinaliza aumento da resistência a antibióticos em infecções bacterianas em humanos. – OPAS, disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/9-12- 2022-relatorio-sinaliza-aumento-da-resistencia-antibioticos-em-infeccoes-bacterianas. Acesso em: 16 de outubro de 2023.
SANCHEZ, J. M. – Bacterioscopia vaginal por coloração de Gram: do ensino médico à prática clinico-laboratorial na rotina em ginecologia. – Unoeste, disponível em: https://revistas.unoeste.br/index.php/cv/article/view/1628. Acesso em: 16 de outubro de 2023.
FELMAN, A. – What to know about antibiotics – Medical News Today, disponível em: https://www.medicalnewstoday.com/articles/10278. Acesso em: 16 de outubro de 2023. BUSH, Larry M. – Considerações gerais sobre as bactérias. – Manual MSD Versão Saúde para a Família.
BITTERCOURT, Walkiria. – A importância da microscopia versus hemocultura com foco na urgência do diagnóstico e tratamento precoce: da teoria à prática. – UNIVAG.
CAPITANI, Lidia. – Antibióticos: para que servem, tipos e quanto tempo tomar. – Minha Vida, disponível em: https://www.minhavida.com.br/saude/tratamento/4011- antibiotico. Acesso em: 16 de outubro de 2023.
MARQUEZ, Aline. – Importância da bacterioscopia para o diagnóstico das infecções do trato urinário. – UNOPAR.
CAVALI, Monica. – Papel da bacterioscopia da urina como triagem na solicitação de urocultura em serviço de atenção primária. – BVS Biblioteca Virtual em Saúde, disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-363096. Acesso em: 16 de outubro de 2023.
AZEVEDO, Julia. – Infecção bacteriana: o que é e exemplos. – eCycle, disponível em: https://www.ecycle.com.br/infeccao-bacteriana/. Acesso em: 16 de outubro de 2023.
OLIVEIRA, Sergio. – Infecção do trato urinário: estudo epidemiológico em prontuários laboratoriais. – JournalHealth NPEPS.
MARTINO, Marinês. – Métodos bacteriológicos de triagem em infecções do trato urinário na infância e na adolescência. – J. Bras Nefrol, disponível em: https://bjnephrology.org/wpcontent/uploads/2019/11/jbn_v24n2a02.pdf. Acesso em: 16 de outubro de 2023.
Comments